terça-feira, 30 de outubro de 2012

Comerciários, 80 anos de uma conquista


O Dia do Comerciário nos remete a uma história de luta de uma das categorias mais antigas do Brasil, mas que ainda não é reconhecida legalmente como profissão. Esta data marca os comerciários como os precursores da luta dos trabalhadores na conquista da jornada de trabalho de oito horas diárias e do repouso aos domingos e feriados. Neste dia, a  Federação dos Empregados no Comércio de Bens e Serviços/RS (Fecosul) cumprimenta a todos esses valorosos profissionais que recebem a população com tanta atenção e carinho, contribuindo para a autoestima e o bom atendimento do consumidor. Profissionais que, na maioria das vezes, esquecem as suas dificuldades pessoais, como a baixa remuneração, e, em muitos casos, ainda, precárias condições de trabalho, constituindo-se como parte fundamental da roda que a faz a economia girar. Completamos 80 anos desde aquele 29 de outubro de 1932, quando os comerciários aglomeraram-se no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, e marcharam em direção ao Palácio do Catete, com quase 5 mil pessoas, para exigir um trabalho mais digno e humanizado.
O presidente Getulio Vargas os recebeu e nesse mesmo dia assinou o Decreto Lei N° 4.042, de 29 de outubro de 1932, que acabava com a carga horária de 12 horas diárias, passando para 8 horas, e instituía o repouso semanal remunerado aos domingos. O decreto-lei foi publicado no Diário Oficial do dia 30 de outubro de 1932, e assim marcada está a data como o Dia do Comerciário. O espírito de luta e a determinação daqueles companheiros comerciários, que foram os percursores de um movimento contra as precárias condições de trabalho, nos inspiram, até hoje, através de gerações, renovando a disposição de luta dos trabalhadores comerciários em defesa do desenvolvimento, da valorização da profissão com mais qualificação, melhores salários e condições de trabalho.

Guiomar Vidor Presidente da Federação dos Empregados no Comércio de Bens e de Serviços/RS


Série Plano de Lutas - Convenção 87 da OIT: pluralismo ou desagregação?



A Fecosul em seu princípio fundamental e em seu plano de luta defende que os trabalhadores têm direito a autonomia e a liberdade de sindicalização. Por isso é contra a Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que prega uma liberdade que enfraquece e pulveriza a unidade de representação.
Para algumas centrais sindicais, sindicatos e federações, como a Fecosul, essa convenção além de enfraquecer a unidade também toma partido do patronato e dificulta a luta dos trabalhadores.
Esse tema é recorrente e polêmico, pois das oito convenções fundamentais da OIT, esta é a única que ainda não foi ratificada pelo Brasil. 
Mas afinal o que é a Convenção 87 da OIT e o que ela acarreta para os sindicatos e seus trabalhadores? Para falar sobre o assunto conversamos com a juíza do trabalho aposentada e membro do Opinio Iuris Instituto de Pesquisas Jurídicas Antônia Mara Vieira Louguércio.    

Doutora Mara, o que trata a Convenção 87?

R: Em princípio, deveria tratar sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização. Mas, pelo texto da Convenção vê-se que a mesma nem garante a liberdade sindical e nem a proteção do direito a sindicalização. Na verdade, a Convenção parte da ideia, a meu ver, equivocada de que a relação entre patrões e empregados seja um contrato entre partes iguais. Sabemos que não é assim. Mesmo no direito coletivo os sindicatos patronais têm o poder de impor sua vontade sobre os sindicatos de empregados. Basta, por exemplo, que condicionem a concessão de reajuste à permissão do banco de horas, como é feito atualmente na maioria das negociações. Ou simplesmente que joguem com a ameaça do desemprego, em países - como o nosso - que não reconhece, sequer, as “dificuldades” para demissão sem justa causa prevista na Convenção 158 da mesma OIT. 

P: O Brasil ratificou a Convenção 87 da OIT? 

R: Não, a Convenção 87 é uma das várias Convenções da OIT não adotadas e/ou denunciadas por nosso país. Na página da representação brasileira da OIT (www.oit.org.br) constam as listas das convenções ratificadas e das não ratificadas, com o conteúdo das mesmas.

P: Qual seria a repercussão da Convenção 87 da OIT no Direito brasileiro sobre os sindicatos?

R: Em primeiro lugar teria que ser através de Emenda Constitucional porque nossa Constituição, em seu art. 8º contradiz o disposto na Convenção 87. Portanto, para o Brasil adotar a Convenção, seria necessário que a mesma fosse aprovada por dois quintos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional e em votação de dois turnos.
Além disso, as normas de Direito sindical são reconhecidas, tanto pela Constituição brasileira quanto pelas normas da OIT, como integrante dos direitos fundamentais. Com isso, somente poderiam ser alteradas por nova Assembleia Constituinte, conforme o art. 60 da Constituição da República Federativa do Brasil.

P: A Fecosul e a maioria das Centrais Sindicais são contrárias a convenção 87, por entender que liberdade de associação que a convenção prega prejudica a organização sindical. Em sua opinião haveria vantagem para os sindicatos de empregados na adoção, pelo Brasil, da Convenção nº 87 da OIT?

R: Penso que não. Já no art. 2º aquela norma internacional dispõe que: os trabalhadores e empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que considerem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações, com a só condição de observar os estatutos da mesma. 

Antônia Mara Vieira Louguércio, ex juiza do Trabalho. Crédito foto: CTB.  Antônia Mara Vieira Louguércio, ex juiza do Trabalho. Crédito foto: CTB.
Aparentemente, seria muito importante que os sindicatos tivessem apenas a obrigação de obedecer aos seus estatutos. Entretanto, na medida em que não há qualquer limite legal e que qualquer grupo de empregados possa constituir os sindicatos ou federações que considerarem convenientes, abrem-se as portas para que haja, por exemplo sindicatos da mesma base separados por questões étnicas, religiosas, políticas ou atendendo a interesses próprios. Em tais condições, é óbvio, ficará facilitada a intervenção patronal para que seja constituído o sindicato que melhor atender aos interesses dos patrões. Havendo mais de um sindicato na mesma base, a representação para negociação coletiva seria (como têm sido nos locais onde há pluralidade sindical) daquele que contasse com maior número de associados. Ora, se a mensalidade sindical é descontada dos salários dos trabalhadores que passam pela folha de pagamento das empresas, basta que os sindicalizados em outro sindicato sejam ameaçados de perda do emprego. Assim, os patrões se tornam mais forte e em condições de participar das negociações aquele que melhor lhe (ao patrão) aprouver.

P: Há algum outro artigo da Convenção que reforce essa ideia?

R: Sim, o artigo 7º diz que: A aquisição de personalidade jurídica pelas organizações de trabalhadores e de empregadores, suas federações e confederações não pode estar sujeita a condições cuja natureza limite a aplicação das disposições dos artigos 23 e 4 desta Convenção. No art. 8º consta que as legislações nacionais não reduzirão e nem serão aplicadas de sorte a reduzir as garantias previstas naquela Convenção.

Portanto, a redação da Convenção nº 187 contraria os princípios do art. 8º da Constituição da República Federativa do Brasil. Embora a CRFB garanta a plena liberdade de organização (que apenas não tem sido totalmente exercida, na prática, pela intervenção, por vezes desastrosa do Poder Judiciário) impõe o limite territorial para o reconhecimento da base dos sindicatos federações ou confederações, estabelecendo a unicidade sindical para todos os níveis. Considero indispensável que se estabeleçam esses limites, através da legislação e, melhor ainda através de preceito constitucional para que não ocorram as distorções acima relatadas. Não considero legítimo transferir-se aos patrões o poder de decidir, através de ameaças ou pressões de ordem econômica, qual o sindicato dos trabalhadores que deve ser constituído, como e para o quê.  

P: E sobre a liberdade de sindicalização, por que não estaria também garantida pela Convenção 87 da OIT?

R: A única referência neste sentido é a do artigo 11 que diz simplesmente: Todo o membro da Organização Internacional do Trabalho para o qual esteja em vigor esta Convenção se obriga a adotar todas as medidas necessárias e apropriadas para garantir aos trabalhadores e empregadores o livre exercício do direito de sindicalização.  

Evidentemente, este preceito é vazio de conteúdo. Não são definidas que medidas seriam necessárias ou apropriadas para assegurar tal garantia. Como visto nas questões anteriores, a liberdade absoluta ali prevista torna o direito de sindicalização, conforme o sindicato escolhido pelo empregado para se sindicalizar, muito próximo ao “direito” de ser demitido “sem justa causa”, o que desmonta - por completo - todo o arcabouço da pretensa liberdade sindical e de sindicalização prevista na Convenção 87.

P: Qual o efeito das Convenções Internacionais na legislação dos países?

R: Isso depende da legislação e, sobretudo, da Constituição de cada país. Na Argentina, por exemplo, a Constituição diz que as normas internacionais prevalecem, inclusive, sobre as normas da Constituição daquele país. Já no Brasil, os Tratados e Convenções Internacionais têm efeito de legislação comum, isto é, abaixo da norma constitucional. Como previsto nos parágrafos 2 a 4 do art. 5º do texto constitucional que se refere aos direitos fundamentais, a saber:

Portanto, pela norma do § 2º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, os direitos garantidos na Constituição não excluem os dos Tratados ou Convenções de que o Brasil seja parte. Mas, para ter força igual as normas constitucionais, como previsto no § 3º, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, somente se o texto do Tratado ou Convenção for aprovado em cada Casa do Congresso Nacional (Senado e Câmara Federal) em dois turnos e por três quintos dos votos do total de senadores e deputados.

A ex-juíza do trabalho ainda acrescentou “gostaria apenas de relembrar a lição tão antiga quanto importante do Abade Lacordaire no sentido de que:Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o trabalhador e o patrão, a lei liberta, a liberdade escraviza. É justamente o que ocorre quando se pretende deixar em plena liberdade o direito de constituir sindicatos ou de neles se associar ou quando se pretendem alterações legais que façam prevalecer o negociado sobre o legislado, como parece já estar, novamente, em discussão entre nós" finalizou Mara Loguércio. 

Assessoria de Comunicação Fecosul – Marina Pinheiro