sexta-feira, 20 de julho de 2012


Série Plano de Lutas Fecosul - Assédio moral no Comércio

Vender, vender mais, atingir metas, vender seguro, garantia e consórcio, atacar a concorrência. Esses são alguns dos objetivos que as empresas que trabalham com vendas mais focam atualmente. Mas até que ponto o trabalhador deve ou pode se sujeitar a estas pressões. Violência psicológica, constrangimento, humilhação, exposição ao ridículo, cobrança e pressão são elementos básicos para a definição do quadro de assédio moral no mundo do trabalho no comércio.

Algumas lojas chegam a obrigar os trabalhadores a usar vestimentas, adereços, e outros artigos relacionados a épocas festivas, causando constrangimentos. Outras situações acontecem no dia a dia do trabalho que também expõem os trabalhadores ao ridículo e a humilhação, diante dos colegas, de clientes e da sociedade em geral. 

A Fecosul defende a integridade física e moral do trabalhador como questão fundamental para todos aqueles que trabalham no comércio. O tema faz parte do plano de lutas, aprovado no 9º Congresso Fecosul no último mês de abril.  A série de matérias do plano de lutas tem o objetivo de esclarecer o que é defendido pela Fecosul em pról os trabalhadores.

Nesta matéria vamos esclarecer aos trabalhadores que atitudes devem ser tomadas quando estiver passando por alguma situação de abuso ou humilhação. E mostrar o caso de um comerciário que pela pressão do dia a dia entrou em depressão e precisou de internação. 

Conversamos com a juíza do trabalho aposentada e membro do Opinio Iuris Instituto de Pesquisas Jurídicas Antônia Mara Vieira Loguércio, e também com o comerciário Vilson Luiz Polidoro vítima de depressão. 

Doutora Mara Vieira Loguércio, juíza do trabalho aposentada e membro do Opinio Iuris Instituto de Pesquisas Jurídicas.Doutora Mara Vieira Loguércio, juíza do trabalho aposentada e membro do Opinio Iuris Instituto de Pesquisas Jurídicas.
Para explicar o que é o assédio a juíza Mara Loguércio refere a Dra. Margarida Barreto, médica do trabalho e batalhadora incansável contra o assédio moral e sexual no trabalho, que configura o assédio moral como “todo o comportamento abusivo (gesto, palavra e atitude) que ameaça, por sua repetição, a integridade física ou psíquica de uma pessoa”. Significa dizer que são três os elementos que constituem o assédio moral: comportamento abusivo o que pressupõe estruturas hierárquicas e autoritárias de poder; repetição desse comportamento por um determinado período, ainda que seja alterada a forma como ele se expressa. O abuso expresso pode ser através de palavras, na próxima vez por gestos ou por atitudes. No caso do assédio sexual, porém, conforme a gravidade do fato basta que o comportamento abusivo seja expresso apenas uma vez.

Doutora Mara, qual atitude e a quem recorrer quando se sofre algum tipo de assédio? 

Eu novamente cito a médica Margarida Barreto que alerta que a vítima deve resistir: anotar com detalhes as humilhações sofridas; dar visibilidade, procurando ajuda dos colegas; organizar o apoio dentro e fora da empresa; evitar conversar com o agressor, sem testemunhas; exigir, por escrito, explicações do ato do agressor e permanecer com cópia; procurar o Sindicato e outras instâncias (médicos, psicólogos etc.); recorrer ao Centro de Referência em Saúde dos trabalhadores e contar o fato; buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são fundamentais para a recuperação da autoestima, da dignidade, da identidade e cidadania. 

É importantíssimo que as vítimas de assédio não se sintam culpadas por serem assediadas, isto é, que o problema não é da vítima, que o comportamento reprovável é do agressor. 

O assédio pode ser sintetizado numa palavra: humilhação. E a humilhação é considerada como um sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado, constrangido e ultrajado pelo outro. No entanto, o assediado também se sente um ninguém, sem valor, inútil, magoado, revoltado, perturbado, mortificado, traído, envergonhado, indignado e com raiva, sentimentos descritos pela Dra. Margarida. 
A anotação, pelo empregado, das humilhações sofridas é fundamental. Como o que caracteriza o assédio é a repetição, a vítima deve anotar todos os dados como dia, hora, local, testemunhas que presenciaram o fato e a descrição completa da atitude agressiva. 

A divulgação do ocorrido não deve envergonhar o trabalhador vítima de assédio. É de vital importância que outras pessoas, dentro e fora da empresa tomem conhecimento e, inclusive ajudem a prevenir novas agressões ou a não deixar a vítima ficar sozinha na presença do agressor, procurando sempre acompanhá-la. 

Exigir por escrito as insinuações e ameaças sofridas pode ser muito importante quando se trata de estabelecimentos de metas a serem cumpridas, inclusive porque, quase sempre as metas são flexíveis, ou seja, quando cumpridas pelo trabalhador são imediatamente aumentadas para não permitir seu cumprimento, o que ocorre muito com vendas por telefone.
Procurar médicos, psicólogos e Centros de Referência da empresa é aconselhável sobretudo nos casos frequentes de “somatizações”, prejuízos físicos e psíquicos causados pelo assédio. O essencial, porém, é buscar ajuda entre amigos e a família e, principalmente, junto ao sindicato.

Uma ideia que deve ser divulgada amplamente em cada setor de trabalho é a seguinte: Se alguém for testemunha de cena(s) de humilhação no trabalho, deve superar o medo e ser solidário com seu colega, pois poderá ser “a próxima vítima” e nesta hora o apoio de seus colegas também será precioso. Não deve ser esquecido que o medo reforça o poder do agressor.

Qual o papel dos sindicatos nesta questão?

Há várias medidas que os sindicatos podem tomar como, por exemplo, fazer campanhas divulgando tudo sobre o assédio moral e orientando os trabalhadores na luta contra ele, distribuindo cartilhas, diário de assédio, etc. Outra medida importante é a diretoria do sindicato fazer uma visita ao setor médico ou à direção da empresa e relatar casos de abusos cometidos, embora não necessariamente indicando o nome das vítimas. Não deve ser esquecido que o assédio praticado por qualquer superior hierárquico da vítima é de responsabilidade do empregador. 

Na luta institucional, o sindicato deve inserir na norma coletiva a existência de um estatuto disciplinar da empresa ou, ao menos, algumas regras de tratamento de sorte a impedir ou a tornar bastante oneroso para o empregador os comportamentos característicos de assédio moral e/ou sexual. 

Não deve ser desprezado, também, o esforço do sindicato junto aos Poderes Constituídos por uma lei específica que penalize o assédio moral, bem como a aplicação do art. 11 da Constituição da República que prevê: Nas empresas com mais de duzentos empregados é assegurada a eleição de um representante com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores. Registro que não é no estabelecimento e sim na empresa, o que implica devam ser somados os trabalhadores das várias filiais da mesma empresa.  

Como enfrentar este problema dentro da empresa?  

Buscando estabelecer a democracia interna das relações de trabalho através de limitações do poder unilateral tanto de direção (participação dos empregados nos órgãos de direção da empresa), como de organização: OLT (organização pelo local de trabalho, art.11 da Constituição). O trabalhador assediado deve, também, procurar a CIPA em razão das consequências comprovadas do assédio na saúde física e psíquica da vítima e ainda, a exposição da mesma a um índice maior de acidentes.

Exigindo a participação e controle do coletivo laboral e dos sindicatos: para isso deve ser utilizado o poder fiscalizador do sindicato, ingressando na empresa ou denunciando quando o ingresso for impedido; os próprios empregados e/ou o sindicato devem denunciar o mais amplamente possível às demais autoridades e promover a divulgação geral dos fatos. 

É, também, possível uma ação de indenização por danos morais pelos malefícios produzidos em razão do assédio. Finalmente, é indiscutível que o empregado pode dar por rescindido o contrato de trabalho, recebendo as rescisórias como se tivesse havido uma rescisão sem justa causa, com base no art. 483 da CLT. 

Como o trabalhador assediado pode obter provas do assédio moral? E do sexual?

Esta é uma das maiores dificuldades. Logicamente são aplicáveis todas as provas admitidas em direito, quais sejam, a documental, a pericial e a oral (depoimento das partes e testemunhas). Todavia, nos casos de assédio, o empregador toma todos os cuidados para não deixar nada registrado em documentos. Eventual perícia somente poderia ser realizada na vítima depois que comprovados os efeitos na estrutura física ou psíquica do assediado. E a prova testemunhal resta dificílima porque, como alerta a Dra. Margarida Barreto: “por medo do desemprego e da vergonha de serem também humilhados, associados ao estímulo constante à competitividade, [os colegas] rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o 'pacto da tolerância e do silêncio' no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ‘perdendo’ sua autoestima.

De qualquer sorte, há provas que podem começar a ser “tentadas”, embora a resistência do judiciário em aceitá-las, a tendência, contudo, que pode ser revertida. É o caso das gravações tomadas sem o consentimento da vítima, das mensagens eletrônicas através da Internet, dos indícios, de perguntas incisivas feitas ao agressor e/ou às suas testemunhas. O mais importante, contudo é se conseguir para os casos de assédio moral e sexual o mesmo tratamento que a teoria jurídica universal já está dando para a despedida discriminatória, ou seja, transferir o ônus da prova para o agressor. Significa denunciar o agressor, publicamente ou em juízo, ficando por conta dele provar que não houve o assédio moral e sexual. E, enquanto o Judiciário não avança até este entendimento, buscar com os demais Poderes a elaboração de leis processuais que determinem, nesses casos, a inversão do ônus da prova.

Pressão no trabalho que levam a depressão

Vilson Luiz Polidoro, 50 anos, casado, pai de dois filhos, 28 anos de trabalho no comércio, destes 23 nas Lojas Colombo, de onde saiu aposentado no mês de maio deste ano. Polidoro que é membro da diretoria do Sindicomerciários de Caxias do Sul, conta como foi sua trajetória de vendedor até a internação em uma clínica psiquiátrica.

“Quando comecei como vendedor a profissão era bem valorizada, com comissões boas. A gente vendia um produto e ganhava comissão sobre este produto. Agora para ganhar comissão é preciso vender o produto e serviços agregados como seguro, garantia, consórcio, meta de juros para atingir as metas”, conta o ex-vendedor.    
Polidoro teve que ser internado numa clínica de tratamento devido as pressões que sofria no trabalho.Polidoro teve que ser internado numa clínica de tratamento devido as pressões que sofria no trabalho.
Ele diz também que é preciso atingir determinado valor de venda para conquistar a pontuação estabelecida e ainda passar por avaliação das gerências. “Para atingir a meta e vender todos os serviços é preciso dedicação quase exclusiva à loja. E então deixamos de lado a família e nossa própria vida. Abrimos mão até das folgas para alcançar as metas”, relata Polidoro.

Nesta pressão pelas metas os vendedores também perdem o respeito uns pelos outros. Segundo o ex-vendedor, é preciso vender e nesta agonia alguns acabam perdendo o espírito de coleguismo e passam por cima dos colegas.

Conforme Polidoro há 12 anos as coisas começaram a mudar. Houve troca de diretorias e o sistema da empresa foi mudando, ficando mais competitivo. “Foi neste período que apareceram as seguidas reuniões, metas de consórcio, garantias. A gente vai pra casa e fica pensando que precisa vender para alcançar metas para receber o salário e pagar as nossas contas. A gente não consegue dormir”, conta o trabalhador.

Polidoro disse que alguns colegas até compravam os consórcios para atingir as próprias metas. Outros precisavam ficar até mais tarde na loja para vender os consórcios e cumprir as exigências. Outra questão relatada pelo comerciário é que por ser sindicalista alguns gerentes o tratavam diferente. E por isso muitas vezes foi excluído das vendas, e os colegas o discriminavam.

Depressão e Internação

“Por tudo isso fui me fechando, me afastando das pessoas. Parecia que todos estavam contra mim. Foi então que percebi que não estava bem e procurei ajuda. Eu estava com depressão. Sentia muita angústia”, conta o comerciário.   

Diante deste quadro Polidoro foi internado em uma clínica Psiquiátrica para repouso onde ficou por 10 dias. “Eu tive que me ajudar muito para dar a volta por cima. Ainda mais depois que encontrei outros colegas do comércio na mesma situação que eu, e alguns muito piores”, revela.

Ao sair da clínica, Polidoro resolveu que iria parar de trabalhar, e, por estar aposentado saiu da loja. “Agora resolvi parar, dar atenção para a minha família e cuidar da minha saúde. Estou em casa e sinto que meus filhos estão mais felizes porque agora posso ir na escola ver a apresentação como no dia das mães. Os meus amigos até falam que estou sorrindo mais. Por enquanto vou me dedicar a família e viver um pouco mais tranquilo, depois vou fazer cursos”, descreve.

“Nos dias de hoje, na correria, as pessoas acham que o vendedor tem que estar sempre à disposição, bem humorado. As pessoas chegam exigindo bom atendimento sem respeitar o vendedor e sem saber a realidade do nosso trabalho”, desabafa.

Polidoro alerta aos colegas do comércio e a todos os trabalhadores que prestem atenção na sua situação do trabalho. “Quem estiver se sentindo humilhado ou pressionado deve procurar ajuda e se for o caso denunciar o assédio. Todos temos que trabalhar, mas devemos exigir ambiente de trabalho decente”, finaliza o ex-comerciário.


Assessoria de Comunicação Fecosul – Márcia Carvalho e Marina Pinheiro

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